sábado, 13 de setembro de 2008

Somos todos pós-modernos?*

*Texto de Frei Bettoesq.), publicado na Revista Caros Amigos do mês de setembro deste ano (p.24).

A resposta à pergunta acima é sim, se comungamos essa angústia, essa frustração frente aos sonhos idílicos da modernidade. Quem diria que a revolução russa terminaria em gulags, a chinesa em capitalismo de Estado e tantos partidos de esquerda assumiriam o poder como o violinista que pega o instrumento com a esquerda e toca com a direita?

Nenhum sistema filosófico resiste, hoje, à mercantilização da sociedade: a arte virou moda; a moda, improviso; o improviso, esperteza. As transgressões já não são exceções, e sim regras. O avanço da tecnologia, da informatização, da robótica, a googletização da cultura, a telecelularização das relações humanas, a banalização da violência, são fatores que nos mergulham em atitudes e formas de pensar pessimistas, provocadoras, anáquicas e conservadoras.

Na pós-modernidade, o sistemático cede lugar ao fragmentário, o homogêneo ao plural, a teoria ao experimental. A razão delira, fantasia-se de cínica, baila ao ritmo dos jogos de linguagem. Nesse mar revolto, muitos se apegam às "irracionalidades" do passado, à religiosidade sem teologia, à xenofobia, ao consumismo desenfreado, às emoções sem perspectivas.

Para os pós-modernos a história findou, o lazer se reduziu ao hedonismo, a filosofia a um conjunto de perguntas sem respostas. O que importa é a novidade. Já não se percebe a distinção entre urgente e importante, acidental e essencial, valores e oportunidades, efêmero e permanente.

A estética se faz esteticismo; importa o adorno, a moldura, a não a profundidade ou o conteúdo. O pós-moderno é refém da exteriorização e dos estereótipos. Para ele, o agora é mais importante que o depois.

Para o pós-moderno, a razão vira racionalização, já não há pensamento crítico; ele prefere, neste mundo conflitivo, ser espectador e não protagonista, observador e não participante, público e não ator.

O pós-moderno duvida de tudo. É cartesianamente ortodoxo. Por isso não crê em algo ou em alguém. Distancia-se da razão crítica criticando-a. Como a serpente Uroboros, morde a própria cauda. E se refugia no individualismo narcísico. Basta-se a si mesmo, indiferente à dimensão social da existência.

O pós-moderno tudo desconstrói. Seus postulados são ambíguos, desprovidos de raízes, invertebrados, sensitivos e apáticos. Ao jornalismo, prefere o shownalismo.

O discurso pós-moderno é labiríntico, descarta paradigmas e graves narrativas, e sua bagagem cultural coloca ao mesmo patamar Portinari e Felipe Massa; Guimarães Rosa e Paulo Coelho; Chico Buarque e Zeca Pagodinho.

O pós-modernismo não tem meória, abomina o ritual, o litúrgico, o mistério. Como considera toda paixão inútil, nem ri, nem chora. Não há amor, há empatias. Sua visão de mundo deriva de cada subjetividade.

A ética da pós-modernidade detesta princípios universais. É a ética da ocasião, oportunidade e conveniência. Camaleônica, adapta-se a cada situação.

A pós-modernidade transforma a realidade em ficção e nos remete à caverna de Platão, onde nossas sombras têm mais importância que o nosso ser; e as nossas imagens que a existência real.

2 comentários:

Elaine Pimentel disse...

Bruno,

O dilema modernidade/pós-modernidade é, de fato, um dos debates mais interessantes para cientistas sociais e filósofos que se propõem a entender a dinâmica da vida contemporânea. Acho a abordagem de Frei Betto muito pertinente, embora um tanto radical. É certo que não podemos negar a importância dos pressupostos (e mesmo das dicotominas) modernos para compreender parte da nossa complexa sociabilidade, mas também não podemos negar que há algo de fuido, reconfigurado, nas relações socias, que reescreve os paradigmas modernos e coloca em xeque os próprios sujeitos, os movimentos sociais (como o feminismo) e as instituições sociais (como a família). Com Freud e a idéia de inconsciente, a própria ação humana é desconstruída: não fazemos aquilo que queremos, mas aquilo que nem sabemos que queremos.A razão já não é a centralidade do agir humano. O que subsiste, então?

Isso sem falar nas artes, campo em que as primeiras manifestações pós-modernas se colocaram, quebrando parâmetros estéticos tipicamente modernos.

O problema maior, parece-me, está na idéia de uma ciência pós-moderna, tal como propõe Boaventura de Sousa Santos. Há uma fragilidade nessa perspectiva epistemológica, principalmente porque relativiza sobremaneira os pressupostos da ciência, numa verdadeira panacéia que coloca tudo no campo do possível.

Esse tema me inquieta muito. Considero-me uma iluminista, mas tenho simpatia por alguns aspectos da idéia de pós-modernidade. Sei que nem tão cedo chegarei a uma conclusão a esse respeito. Enquanto isso, continuo atenta a esse debate. Você, aqui no seu blog, também faz a sua parte. Um abraço!

Vanessa Castro disse...

Olá afilhado amado!!!!!!