terça-feira, 13 de julho de 2010

Destratado sobre a tolerância

* Texto da jornalista Wanessa Oliveira, publicado em coluna da revista Clipping, em 12.07.2010.

No início abri o google e fui acessar a Wikipedia. Li. Advinda do latim, a palavra Tolerância significa algo como “suportar, sustentar”. Um pouco mais embaixo, uma frase curiosa dizia assim: “tolerância segundo Locke: parar de combater o que não se pode mudar”. Bastante prático, pensei. No artigo de Rogério Lacaz- Ruiz, disponível na internet, uma outra definição inicial parecida com a anterior: “suportar um peso” ou a “constância de suportar algo”. Doloroso, não?

Pois bem, ao longo dos tempos, me parece que o entendimento sobre a Tolerância vem sendo resignificado, suavizado até. Hoje a escuto em contextos bem específicos: a tolerância como uma atitude que vai de encontro a algo como o preconceito ou a discriminação social. Esta já antiga curiosidade a respeito da bendita palavra foi fortalecida após ter lido uma matéria sobre um episódio ocorrido logo no início deste mês, algo que muitos poderiam dizer tratar-se, afinal, de ‘intolerância’.

Ocorre que, segundo a notícia, escrita pela jornalista Teresa Machado neste site, um grupo de mulheres decidiu ir a um bar na Jatiúca para uma celebração de aniversário. Em meio à confraternização, uma troca de afetos. Não sei exatamente qual foi, mas certamente o tipo de carinho que, se feito por um homem e uma mulher, não teria provocado a ação violenta e descabida de um dos donos do bar.

Segundo os relatos contidos no texto, o sócio-proprietário se aproximou das mulheres e, deixando o lado amistoso para lá, disparou que elas estavam ‘agredindo’ outros clientes, e que tal comportamento (só reforçando, era troca de afetos, não de tapas) não era permitido no estabelecimento em questão. Houve confusão. Elas saíram do bar e, felizmente judicialmente amparadas, buscaram seus direitos.

Agora sim, rebobinemos.

Retornemos exatamente à ação – que por muitos foi considerada ‘intolerante’ – por parte do dono do bar. Pode ser que a muitos defensores das causas-realmente-grandes, eu esteja me apegando a um detalhe, ao mais irrisório dos detalhes talvez, mas, vá lá, há colunistas para tudo nesse mundo.

Ocorre que, se de fato tolerar significa ‘sustentar’ ou ‘suportar um peso’, não acredito que esta exata palavra possa caber na ação do tal proprietário. Desrespeito, talvez, fosse algo mais coerente.

Quem eu quero beijar, abraçar, trocar quaisquer afetos, não é da conta de outrem, simples assim. Se estou trocando beijos com um homem ou com uma mulher, com um alagoano ou com uma libanesa, que mal estou fazendo alguém ter de ‘tolerar’? seja o dono do bar, seja a senhora da mesa ao lado que acreditava que beijo só depois do casamento (com gente do sexo oposto, claro!).

Vê o quanto é contraditório que a tolerância social diga respeito realmente aos atos que “se sobressaem às normas ‘culturais’ de determinada sociedade”. Por que ver algo diferente agride? Agride ao quê exatamente?

Peço-vos então a licença para falar da agressão. Não daquela que fere uma cultura ultrapassada imposta a nós desde o berço, que diz o que é e o que não é ‘aceitável’. Falo da agressão de verdade. Esta que faz com que você não possa querer uma outra pessoa porque uma terceira, ou várias terceiras , que nada têm a ver ou sequer colherão o ônus ou bônus de suas relações, simplesmente não concordam com isso, ou perdem-se em teorizações psicológicas, religiosas para fundamentar o desrespeito ao outro.

No final das contas, quem aqui tem de ‘suportar’ ou ‘sustentar o peso’ de outros? Quem é que tem de tolerar o preconceito alheio, enquanto tem de enfrentar lutas internas e externas para simplesmente ter seu direito de amar garantido, legitimado, respeitado, e não ‘tolerado’?

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